"O sujeito é um objeto desqualificado. O meu olho é o cadáver da luz, da cor. O meu nariz é tudo o que resta dos odores quando a sua irrealidade fica demonstrada. Mas a minha mão refuta a coisa tida. Logo, o problema do conhecimento nasce dum anacronismo. Implica a simultaneidade do sujeito e do objecto, cujas misteriosas harmonias desejaria iluminar. Ora o sujeito e o objecto não podem coexistir porque são a mesma coisa, a princípio integrada no mundo real, depois lançada à escória. Robinson é o excremento pessoal de Speranza. Esta fórmula espinhosa enche-me de sombra e satisfação. Pois mostra-me a senda estreita e escarpada da salvação, duma certa salvação pelo menos, a duma ilha fecunda e harmoniosa, perfeitamente cultivada e administrada, forte pelo equilíbio de todos os seus atributos, seguindo sempre a direito, sem mim, pois que tão próxima de mim que, mesmo como puro olhar, já seria demasiado de mim, e tornar-se-ia necessário reduzir-me a esta fosforecência íntima que faz cada coisa ser conhecida sem alguém que conheça, consciente sem alguém que tenha consciência... Ó subtil e puro equilíbrio, tão frágil, tão precioso!"
Num dia chuvoso e (quase) solitário... de uma ilha qualquer, a minha ilha Speranza.
Trechinho de "Sexta-feira ou os limbos do Pacífico", de Michel Tournier. Edição Relógio D'Água (isto é, com o charme peculiar dos "donos" da língua, rs).
quinta-feira, 19 de junho de 2008
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