Ainda com o entardecer como mote, um trechinho de Tristes Trópicos
"Eis por que os homens prestam mais atenção no sol poente do que no sol nascente; a aurora só lhes fornece uma indicação suplementar às do termômetro, do barômetro e - para os menos civilizados - das fases da lua, do vôo dos pássaros ou das oscilações das marés. Ao passo que um pôr-do-sol eleva-os, reúne misteriosas configurações as peripécias do vento, do frio, do calor ou da chuva nas quais seu ser físico se debateu. Os caprichos da consciência podem também ser lidos nessas constelações algodoadas. Quando o céu começa a se iluminar com os clarões do poente (assim como, em certos teatros, são as bruscas iluminações do proscênio, e não as três pancadas tradicionais, que anunciam o início do espetáculo), o camponês suspende sua caminhada pela trilha, o pescador retém seu barco e o selvagem pisca o olho, sentado perto de um fogo declinante. Recordar-se é uma grande volúpia para o homem, mas não na medida em que a memória se mostra literal, porque poucos aceitariam viver novamente as labutas e os sofrimentos que, no entanto, gostam de rememorar. A recordação é a própria vida, mas com outra qualidade. Assim, é quando o sol se abaixa sobre a superfície polida da água calma, tal como o óbolo de um celestial avarento, ou quando seu disco recorta a crista das montanhas como uma folha dura e denteada, que o homem encontra por excelência, numa curta fantasmagoria, a revelação das forças opacas, dos vapores e das fulgurações cujos obscuros conflitos, no fundo de si mesmo, e ao longo de todo o dia, ele vagamente percebeu."
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
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