Da janela do meu escritório eu vejo um prédio em construção. Por aqui há muitos.
Quando me mudei, ela ia do segundo para o terceiro andar.
Fui acompanhando, ao longo dos meses, o céu ser engolido por uma parede vermelha. E vendo pessoas que de vez em quando espreitam pelas janelas inacabadas com seus uniformes verde-bandeira.
Em breve o vermelho tijolo vai virar alguma combinação "étnica" de pequenas lajotas (preto, amarelo, branco, que cores serão?). E as janelas passarão a ser povoadas por outras pessoas, de roupas coloridas.
A cada andar que subia, eu ficava mais chateada com a construção... com esse assalto gradual do sol, da vista, do espaço. Espaço que era ar e que me foi roubado sem eu pedir, para se transformar em lugar de alguém, pessoas circulando, falando, vivendo.
Mas o que mais me intimidava era "ver" o passar do tempo, os dias semanas meses concretizando-se violentamente cada vez que eu tirava os olhos da tela do computador em busca de alguma coisa outra que não LCD ou letrinhas pretas no papel.
Pressentindo minha agonia, numa bela quinta feira à tarde, o prédio resolveu começar a cantar...
Parei tudo e fui à janela. De onde vinha aquele canto? Nada que se pudesse ver... os transeuntes também passavam, incrédulos. O prédio! Cantando!
As mãos que me roubavam dia a dia a vista nesta tarde se transformavam em vozes que me encantavam os ouvidos. E tem sido assim toda quinta feira desde então. Às quatro e meia da tarde, dos seus porões, o meu vizinho em construção me presenteia com uma serenata.
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
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